sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Raça Materna Brasileira

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Tive a oportunidade e o prazer de ler na edição 125 da revista O Berro, a reflexão de Rinaldo do Santos, “O Santos Inês, que sai e o que fica”. Levei um justo, por ter entendido que, nesses anos todos de muita euforia, o que fizeram foi estragar a raça Santa Inês. Isso, depreendi ao ler o seguinte texto: “A raça Santa Inês gastou muitos anos investindo em exposições, leilões, festas, brilhantismo, sem dedicação aos produtores de carne. Essa falta de foco já profetizava um tombo; desabou!

No final do artigo, Rinaldo, indica como será o Santa Inês: “Assim, o Brasil irá assistir um retorno ao velho Santa Inês e também ao surgimento de um novo Santa Inês. O importante é que atenda todos os interesses dos produtores de carne. Para isso, precisa ser novo! Então, o velho tornar-se-á o novo.” E aproveita pra dá uma alfinetada nos dirigentes das Associações de criadores e nos juízes de provas: “É preciso, no entanto, seriedade no comando das Associações, das Provas Zootécnicas, para que não aconteçam tombos que provocam estagnação e prejuízos. O tempo de aprendizado chegou ao fim: agora é hora de agir profissionalmente.”

Confesso que não sabia dessa falta de seriedade no comando e nos julgamentos. Fiquei surpreso mesmo, pois muita gente deve ter comprado gato por lebre e provável que muitos tiveram prejuízos. Se eu fosse dirigente de alguma Associação de criadores da raça ou juiz de prova zootécnica, procuraria um buraco pra enfiar a cara. Por outro lado, também fiquei intrigado com a afirmação de que será preciso voltar ao velho Santa Inês. Ora, se o Santa Inês atual, moderno, não atende as necessidades básicas para produção de carcaça de qualidade, o velho também não. Isso nós todos sabemos!

Entretanto, percebe-se com facilidade pela leitura desse excelente artigo de Rinaldo dos Santos é que o Brasil precisa, urgentemente, de uma raça ovina deslanada que reúna o máximo de qualidades desejáveis para uma raça materna, pois, aparentemente, raça paterna, de qualidade, já existe.

Com o objetivo de contribuir na discussão do tema, quero tecer algumas considerações tiradas, literalmente, do Documento 75 – Raça Morada Nova: Origem, Características e Perspectivas, elaborado pelos doutores Olivardo Faço, Samuel Rezende Paiva, Leonardo de Rago Nery Alves, Raimundo Nonato Braga Lobo e Luciana Cristine Vasques Villela, todos da Embrapa, cuja competência e seriedade dispensa comentários; bastam elogios. Da leitura desse trabalho, podemos extrair, entre outras, os seguintes pontos:

a) Existem diversas raças nativas, plenamente adaptadas às condições brasileiras.
b) Essas raças correm risco de descaracterização ou de extinção.
c) A indicação das qualidades desejáveis em uma raça materna.

De início, os pesquisadores afirmam que: “A raça Morada Nova é uma das principais raças nativas de ovinos deslanados do Nordeste do Brasil. No entanto, a despeito do crescimento que vem sendo observado no efetivo ovino brasileiro, os rebanhos dessa raça vêm reduzindo de tamanho a cada ano, sendo que muitos criadores têm optado pela criação de outras raças como a Dorper e, principalmente, a Santa Inês. Tal fato, somado ao cruzamento indiscriminado com animais de raças exóticas, tem posto em risco a existência e a preservação deste importante genótipo.”

Vejam o estrago que a falta de seriedade e profissionalismo trás para uma comunidade, um pais, um povo. De um modo geral os pesquisadores afirmam que "Os ovinos deslanados brasileiros são explorados para produção de carne e pele, sendo esta muito apreciada no mercado internacional. Por serem animais de pequeno porte e bem adaptados às condições climáticas do semi-árido, são importantes nas pequenas propriedades, onde constituem fonte de proteína na alimentação da população rural. Além disso, a raça apresenta características que são muito importantes em sistemas de produção de carne ovina e que não são observadas em outras raças nativas. "

Chama-nos a atenção o detalhe de que a raça Morada Nova possui características desejáveis não observadas em outras raças nativas. Isso é muito importante e sério! Vejam que material impar nós temos. É muita irresponsabilidade e burrice (que me perdoem os burros) deixar material desse quilate se perder ou deteriorar. Muito bem. Outra lição que tiramos do Documento 75 é o conjunto de características desejáveis a ser fixada na raça materna ovina brasileira: “... baixo peso adulto, grande adaptação ao ambiente tropical, elevada prolificidade, não estacionalidade reprodutiva, boa habilidade materna e excelente qualidade de pele.“ E, de modo indireto, acrescenta que é preciso também boa carcaça e bom desenvolvimento ponderal.

De outra forma, o quadro mostra, de maneira cristalina, parte do material genético disponível que temos, e que pode e deve ser trabalhado. Isto posto, quero destacar as algumas características desejáveis que a raça materna brasileira para carne deve possuir.

Peso adulto

Levando em consideração que grande parte dos custos envolvidos em um sistema de produção de carne ovina reside na manutenção das matrizes e que as mais pesadas apresentam maior exigência nutricional para sua mantença, se pode deduzir que é menos eficiente a criação de matrizes de elevado peso adulto. Portanto, o peso adulto é uma característica muito importante do ponto de vista da economicidade de um sistema de produção de carne ovina.”

Uma visão inteligente, estratégica, coerente e profissional. Ora, se o objetivo é produzir cordeiro para abate aos 100, 120 dias de idade e peso em torno de 25kg, pra que matriz com mais de 50kg? Por outro lado, não podemos esquecer que o consumo diário de matéria seca para mantença, em ovinos, é em torno de 5% do peso vivo (PV). Assim, quanto mais pesada, maior o consumo de MS. Do trecho a seguir podemos extrair informações preciosas sobre outras vantagens de a matriz ovina (raça materna) possuir peso adulto de no máximo 50kg.

Sob tais condições, Figueiredo et al. (1989), em estudo de simulação, concluíram que a eficiência de produção de carne ovina da raça Morada Nova no Nordeste do Brasil se reduz com o aumento do potencial genético para o peso adulto e estimaram que a melhor performance produtiva para as ovelhas Morada Nova aconteceria quando estas alcançassem 40 kg de peso corpóreo, produzindo 1,50 kg de leite no pico da lactação e com uma taxa de ovulação de 2,75. No referido estudo, Figueiredo et al. (1989) simularam ainda matrizes com peso de 30 e 50 kg, produção de leite de 1,125 e 1,875 kg e taxa de ovulação de 1,65 e 2,20, sendo que os melhores genótipos foram sempre aqueles de peso adulto de 40 ou 30 kg. Além disso, ovelhas muito pesadas tendem a apresentar menor performance reprodutiva, devido a uma correlação negativa entre o peso corporal e a prolificidade (SELAIVE-VILLARROEL; FERNANDES, 2000).”

Podemos observar que peso adulto baixo, produção de leite em torno de 3%PV e taxa de ovulação de 1,65 e 2,20 são adequadas.

Adaptação ao meio

Vale salientar que a adaptação de um genótipo ou raça a determinada condição ambiente ou de criação não se faz sentir tão somente em parâmetros fisiológicos como temperatura corporal, freqüência respiratória, etc. Na verdade, considera-se adaptado a uma condição de produção aquele genótipo ou raça que é capaz de produzir e, principalmente, no caso de animais produtores de carne, se reproduzir com eficiência sob tais condições.”

Simples, precisa e fácil de compreender a mensagem desse trecho. Desnecessário, mas podemos acrescentar que quanto menor a variação da temperatura corporal no decorrer do dia, maior é a adaptabilidade da raça ao estresse climático. Logo, podemos inferir que a Temperatura Retal (TR), a Frequência Cardíaca (FC) e a Freqüência Respiratória (FR) menores no período da tarde são indicativos de boa adaptabilidade ao meio.

Fertilidade

Num conceito amplo, para que uma matriz seja considerada fértil, é preciso que ela apresente cio, seja coberta, tenha uma gestação normal, venha a parir a termo, produza leite suficiente para alimentar adequadamente sua(s) cria(s) e apresente um comportamento materno que reflita a capacidade de cuidar da(s) cria(s) até a desmama. Dada sua complexidade, a fertilidade é avaliada indiretamente através de várias características relacionadas. Dentre estas, se pode citar: idade ao primeiro estro, idade ao primeiro parto, período de gestação, intervalo de partos, taxa de cobertura, taxa de fecundidade, taxa de parição, prolificidade, número de cordeiros desmamados por ovelha exposta, peso total das crias ao nascer, peso total das crias ao desmame e sobrevivência das crias do nascimento à desmama. Segundo Machado et al. (1999), as ovelhas deslanadas apresentam um elevado potencial reprodutivo por serem fêmeas poliéstricas anuais, apresentando estro, ovulação e parição durante o ano todo.”

Eis mais algumas características desejadas em uma matriz. E o bom é que o Brasil possui esse material. Além do que, existem outros em outros paises com os quais mantemos acordos sanitários e comerciais.

Precocidade Sexual

“A idade à puberdade e a idade ao primeiro parto são características indicativas da precocidade sexual das fêmeas, estando ambas relacionadas ao peso corporal. Silva et al. (1988) destacaram que o conhecimento da idade, do peso e da taxa de ovulação à puberdade de ovinos deslanados permite adotar manejos que reduzirão o intervalo de gerações, acelerando desta forma a eficiência produtiva e contribuindo para o melhoramento genético, sendo a seleção de animais precoces muito importante para a produção.”

“... os ovinos da raça Morada Nova mostraram-se mais precoces, apresentando o primeiro estro cerca de 13% mais cedo do que a raça Santa Inês, porém, não muito diferente do da raça Somalis Brasileira. Segundo estes autores, a raça é portadora de fatores genéticos que favorecem o melhor desenvolvimento fisiológico e sexual, tornando-a bem adaptada, pois mesmo em condições adversas atinge precocemente a puberdade. “

Informações surpreendentes. A idade à puberdade e a idade ao primeiro parto estão diretamente relacionadas ao peso corpora. Pode-se, então, inferir que o peso menor da fêmea adulta implica que mais cedo ela vai emprenhar. Prova disso é a raça Morada Nova, uma das mais leves, ser tão precoce:

Prolificidade

A prolificidade expressa o número médio de crias nascidas por parto. Para uma elevada prolificidade faz-se necessário uma elevada taxa de ovulação, elevada taxa de concepção, baixa mortalidade embrionária, baixa taxa de abortos e partos normais. (...) Lôbo et al. (1992) explicou que a presença de mais de um feto no útero ocasiona uma disputa tanto por espaço quanto por nutrientes, levando assim à superioridade de peso observada em animais oriundos de partos simples. Apesar dessa superioridade, é mais vantajoso, economicamente, selecionar ovelhas com maior prolificidade, pois estas produzem maior volume de carne ao abate, desde que se atenda à melhoria nas condições ambientais e, principalmente, nas nutricionais (FIGUEIREDO, 1986).”

É verdade. Há diversas vantagens no parto gemelar, dentre eles podemos citar: (a) parto facilitado em face de as crias possuírem pesos e tamanhos menores ao nascer; (b) aumento na taxa de prolificidade; (c) maior produção de carne por matriz; e (d) maior retorno financeiro. É fato que as crias gemelares ao nascerem possuem pesos relativamente baixos, o que seria a causa de elevada taxa de mortalidade infantil. Em parte, isso é verdade. Porém não é absoluta. Se a matriz for boa produtora de leite e possuir boa habilidade materna, metade do problema está solucionado. Os outros cinqüenta por cento vêm do manejo nutricional e sanitário tanto da matriz – antes e durante a gestação e durante a lactação - quanto das crias durante o período de amamentação.

A verdade é que os criadores, ainda, pensam que bicho que sobrevive comendo capim e mato não precisa de cuidados adequados quando submetidos à produção intensa. Essa mentalidade precisa mudar, ou vamos continuar pastando e ruminando nossas mágoas!

Sobrevivência

A morte da cria é, literalmente, um desastre. É prejuízo líquido e certo! Todo o esforço e custos despendidos foram pro beleléu. Assim, a taxa de sobrevivência ou a taxa de mortalidade infantil são indicadores fundamentais. Neste aspecto a Escrituração Zootécnica é ferramenta imprescindível em qualquer criação. Segundos alguns estudos, taxa de mortalidade acima de 5%, podem acabar com o seu negócio. Um outro aspecto da Escrituração Zootécnica é o fato de que além de fornecer números, ela pode fornecer as causas da mortalidade. Os softwares mais modernos e avançados possuem essa característica, entre outras bastantes úteis.

Eficiência Reprodutiva e Produtividade

O Intervalo Entre Parto (IEP), a Taxa de Cobertura (TC), a Taxa de Parição (TP), a Taxa de Prolificidade (TPr), a Taxa de Fertilidade (TF), Taxa de Desmame (TD), entre outras, são alguns dos indicadores que a Escrituração Zootécnica mostram sobre o desempenho do rebanho. Na espécie ovina e também na caprina, fêmea parideira é aquela que tem um parto a cada 7, 8 meses. Nas raças nativas deslanadas, geralmente, isso ocorre. São fêmeas Poliéstricas anuais. Entretanto, tudo tem um preço. Para se ter um parto, e se possível gemelar, a cada 8 meses (245 dias) é preciso manejos sanitário e nutricional perfeitos.

“... existem algumas características que, por serem finalísticas, ou seja, representarem o resultado final de um longo processo, representam melhor a produtividade das fêmeas de um rebanho. Neste sentido, mais importante do que uma elevada prolificidade é a quantidade, em quilogramas, de cordeiros desmamados por matriz. Em média, os resultados encontrados na literatura indicam peso total de crias desmamadas por matriz de 13,6 kg, variando desde 10,62 até 15,16 kg. Vale salientar que este desempenho depende muito das condições de criação, sobretudo do suporte alimentar.”

É fato. É preciso desmamar o máximo de cordeiro e com maior peso possível. Devemos lembrar que a fêmea realizou, até o parto, vários papéis no processo produtivo: entrou em cio; deixou-se cobrir, emprenhou, suportou gestação de cinco longos meses e pariu. É muita coisa! Contudo, ainda tem mais. Tem que cuidar e amamentar a cria. E o criador, o que tem que fazer? Pouca coisa. Basta cuidar para que ela e a cria tenham comida e água de qualidade em abundância. Animal bem alimentado não adoece.

Peso e Desenvolvimento Ponderal

O bom desenvolvimento da cria é muito importante. Isso depende de alguns fatores. O peso ao nascer é um deles. Animal com peso ao nascer inferior a 3kg é problemático, quando a raça possui peso adulto superior a 50kg. Para as raças leves (Morada Nova, por exemplo) nascer leve faz parte de sua genética; É normal, ele aquenta! De qualquer forma, animal muito leve requer mais cuidados. Porém, nada difícil de fazer. Entretanto, o desenvolvimento ponderal precisa ser bom. Como o objetivo é que o animal esteja pronto para o abate aos 120 dias de idade e peso vivo de 28kg, tem-se que ele precisa engordar, em média, 200g/dia. É muito para o ovino deslanado. Mas não será para os cruzados, em face da heterose e da raça pai utilizada. Comida de qualidade e abundante é o outro pilar. Considerando que é salutar que o animal tenha baixo peso ao nascer, é fundamental que o maior o desenvolvimento ponderal seja elevado. Altas taxas de desenvolvimento ponderal são possíveis? Sim. Basta observar o que fizeram com o frango e com o porco.

Um aspecto que deve ser perseguido é que a fêmea produza muito leite por pouco tempo (60, 90 dias), diferentemente do que se busca nas raças leiteiras. O leite é o principal alimento da cria nos primeiros 60 dias de vida. Quanto mais a cria ingeri-lo, melhor; mesmo porque, é por volta dos 50 dias de idade que a cria passar a ser um ruminante completamente.

A título de curiosidade, as crias da baleia azul nascem, em média, com 8 metros de comprimento e com 2.5 toneladas. São amamentadas durante cerca de 8 meses, consumindo 380 litros de leite por dia. Quando se tornam independentes das suas mães têm 16 metros e pesam 21 toneladas. Quando adulto, pesam cerca de 150 toneladas.

Carcaça

Esse é o calcanhar de Aquiles das raças deslanadas. Os deslanados não têm lombo e nem pernil. Aliás, a carcaça toda é muito fraca; pouca carne e nenhuma nobre. Até parece que foram produzidas pra alimentar leões e hienas. Mas isso é razoavelmente fácil de resolver. O cruzamento, onde o macho é raça com boa carcaça já ajuda. Porém, é importante que a raça mãe, deslanada, tenha, também, razoável lombo e pernil. Sabemos que isso é possível. Exemplo disso: o Dorper, Texel, Dorset, entre outras são produtoras de excelentes carcaças.

Pele

Não só de carne viver a ovinocultura. A pele do deslanada é cobiçada pelo mercado internacional. Pode ser um produto nobre tanto quanto a carne. O Morada Nova é prova disso. Logo, é mais uma das características que uma boa raça precisa possuir.

Conclusão

O Brasil precisa desenvolver uma ou mais raças deslanadas que reúnam todas as qualidades desejáveis para a produção economicamente viável de carne em abundancia. Isso é possível e, hoje, mais fácil do que antes e será muito mais fácil a cada dia em face do avanço tecnológico em vários segmentos, notadamente no campo da genética.

O melhoramento genético das raças nativas existentes é possível e viável. A criação de raças sintéticas é possível, viável e recomendável. Matéria prima pra isso existe. Basta criar o produto. Utopia?! De jeito nenhum! É mais fácil do se possa imaginar. Eu acredito; Melhor, eu tenho fé. E fé move montanha. O que precisa é aquilo de o Rinaldo dos Santos disse: seriedade e profissionalismo. E eu, acrescentaria: persistência, união, parceria, apoio técnico e financeiro, e mãos à obra.

Autor: Ananias Duarte
Email: contato@ecapataz.com.br
Web: http://www.ecapataz.com.br/

Artigo publicado na revista o Berro, ed. 127, pag 96.

Um comentário:

  1. olá o autor tras a donotação de velho e novo santa ines por acaso isso tem referencia a esse termo, foi tirado de algum livro? ou artigo?
    obrigado

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